13 de dez. de 2008

SUSTENTABILIDADE

Hoje resolvi sair das entrelinhas e falar de algo que é estampado diariamente em todo o tipo de mídia.Resolvi falar do nosso futuro.
Semana passada assisti a um documentário sobre a tragédia em Santa Catarina. É assustadora a quantidade de gente morta, desabrigada ou moralmente abalada. Deveras comovente. Agora descubro que é uma tragédia anunciada há mais de 150 anos.
Crescimento desordenado, desmatamento, ocupações indevidas, lixo, lixo,lixo...clichês, clichês e clichês.
A impressão que dá, é a de que somos um câncer que se alastra há milhões de anos no organismo terrestre. Um monte de gafanhotos humanos que devasta impiedosamente a superfície da Terra.
O pior de tudo é que não é uma impressão, é um fato.
Há bastante tempo sou descrente na raça humana. Maléfica, irracional, sádica e se houver alguma característica pior, é essa. Anne Frank disse que "apesar de tudo", crê "na bondade humana". Ela foi morta por um, e se estivesse viva com certeza se arrependeria de ter dito isso. O que talvez seja mais apropriado é: Por tudo, a bondade humana não mais existe.
Há um tempo já atuam os movimentos ambientalistas, de sustentabilidade, que difundem a máxima "reuse, reduce, recycle", os 3 R's que podem mudar o mundo.
Por enquanto parece um fashionismo, um lifestyle de poucos, algo que digo ser ainda embrionário. É chique comer orgânicos, utilizar somente papel reciclado, ingerir somente carne de animais certificados e que foram criados sem a necessidade de desmatamento ou caça predatória.
O conhecimento de sustentabilidade ainda atinge poucos. A grande massa não sabe o que é isso, não faz parte da educação curricular. E mesmo assim, ainda que soubesse, o fato de tornar este conceito um hábito, está a anos luz de distância.
Programas de televisão sobre o assunto pipocam, no entanto, passam em horários improváveis, nas madrugadas, bem cedo nos finais de semana. Quem se habilita a colocar uma transmissão dessas em horário nobre nas grandes redes, acabar com essas novelas idiotas, de audiência altíssima?
A prática do "pão e circo" ainda existe e se disfarça escancaradamente.
Parece bobo, mas pequenas atitudes em casa mudam muito. E é perceptível aos meus olhos.
Evitar consumos supérfluos, comprar o que realmente é necessário e fazer listas, diminuiu grandemente meus gastos.
Retirar da tomada os eletroeletrônicos que ficam em "stand by", reduziu a minha conta de eletricidade em cerca de 30%.
Dispensei minha faxineira, primeiro porque ela era uma folgada, e segundo porque meus materiais de limpeza se acabavam num piscar de olhos. Arrumar casa, embora chatíssimo, é uma forma de exercício físico.
O que não consegui controlar ainda é o meu consumismo, adoro estes "gadgets" eletrônicos e roupas. Pelo menos as baterias eu não jogo no lixo comum e as roupas velhas ou em excesso, dôo aos mais necessitados.
Não é uma medida de sustentabilidade, mas sim de sobrevivência, talvez até fuja do foco, dizer oi ou bom dia, agradecer e reconhecer o esforço alheio, ter atitudes positivas sempre podem melhorar a energia do mundo.
Dá uma certa canseira sim, separar lixo, retirar da tomada, fazer listas...toma tempo. Mas confesso, dá uma sensação boa, de dever cumprido, uma imensa satisfação pessoal, ver que tenho tomado certas atitudes pra mudar alguma coisa nessa Terra de ninguém, ainda.

5 de dez. de 2008

DESABAFOS

Tem dia que, sem motivo, a gente acorda puto, sem vontade de fazer nada e, ainda por cima, socar o primeiro que encher o saco. O que, aliás, não tem sido muito difícil ultimamente, basta falar um "A" pra bomba explodir.
Saí do trabalho, sentei no shopping pra comer. Senta do meu lado, um bando de carecas recém aprovados no vestibular com um papo tão ruim, que quase vomitei. Minha vontade foi de destinar meu soco a eles. Vale à pena não! Disse meu superego.
Cheguei em casa, deitei no chão da sala e fiquei olhando pro teto sem saber no que pensar, sentia uma raiva, achava-me um merda incapaz de mover uma palha. Minha barriga me incomodava de um tanto, putz!
Liguei a TV, zapeei por mil vezes. No noticiário noturno é só catástrofe, e eles insistem em repetir. Outra coisa, não agüento mais um capítulo dessa Favorita, não que tenha o hábito de assisti-la, mas, ao mínimo sinal daquela musiqueta, minha enxaqueca volta. Se bem que hoje um corno deu um couro na mulher que até esqueci momentaneamente do meu azedume.
Acabei com um pacote inteiro daqueles de Ruffles e com quase dois litros de guaraná. É que deu uma sensação de vazio impreenchível, que nem sei explicar. Depois foi uma bebeção de água e uma azia de arrependimento.
Intervalo para umas gotinhas mágicas...a calma talvez venha.
O telefone tocou, nem ouvi, outras chamadas nem atendi, num tô muito afim de papo. Tô um porre mesmo. Meio blasé, irônico e sem assunto... confesso.
Liguei meu computador, escrevi este texto. Pensei neste exato momento, pra quê escancarar desse jeito?
Relaxa, ninguém vai ler mesmo! Retruquei-me a mim mesmo.

8 de nov. de 2008

FAKE FUR

FOTO MONTAGEM: Anúncio PETA - "Todos os animais tem a mesma pele"

Meu ofidismo as vezes me fere.
A minha dor só eu sinto.
Inexplicavelmente masoquista.
Meus avisos somente eu ouço.
É ilegível a minha mensagem.
Grito num vácuo infinito.
Meu plano maléfico me sufoca.
Lobo esganiçado em pele de cordeiro.
Do meu “best-seller”, sou o único leitor.
O melodrama é minha tragicomédia.
A gula preenche meu vazio desmedido.
A ira me diverte.
Sonho com dias sós, dias de chuva.
Na pia suja, deixo o meu veneno.
Na limpeza, a minha impaciência.
Minha frustração, sua ferida fechada.
Amargamente sádico.
Pele falsa, carne de quinta.
Sangue de barata e espírito de porco.
Pobre diabo, coitado miserável.
Devaneio em batidas repetidas e surdas.
Tolo, inocente, contundente.
Puramente pretensioso.
Incompreensível e desconstruído.
Confuso e tempos depois arrependido.
Ódio embebido em tolerância.
Novas manhãs de gosto amargo.
Tempo de vida, meia vida.
Vidas pela metade. Esgotamento.
Não espero que me entenda.
Mais uma vez nunca esperei.
Não entendo. Eu, meu leitor.

29 de out. de 2008

QUATORZE INÚMERAS HORAS

FOTO: Site Google - "Corredor Solitário"

As palavras agora derivam do alívio, do cansaço, da raiva contida, de um desabafo.
Achei que fosse enlouquecer naquelas noites longas e insones, naqueles corredores escuros, no 258 com seus amontoados terminais. Perdi a conta de quantas vezes amaldiçoei o toque daquele telefone. No reino das tolas burocracias e dos formulários nas madrugadas, os mesmos acessos eram perdidos e as necessidades eram sempre raras.
Sempre tive a sensação de que alguém me vigiava quando, no raro descanso, rendia-me ao torpor na masmorra escura e com frangalhos usados como cortinas. Foram quatorze horas multiplicadas por quarenta, foram vinte multiplicadas por quinze, nem sei. Conto os centésimos para o fim.
Lembro-me das várias visitas ao primeiro e ao térreo para antever e abreviar meu sofrimento. Era conhecido, e nesta guerra fiz bons amigos. Ganhei doce de leite e de mamão. Ficava aliviado quando se esgotavam as vagas. Sempre pensava que teria uma noite tranqüila. Inocente engano. Nas madrugadas, eram tantas as surpresas que nem me surpreendia mais.
Recordo-me com asco da sopa de restos das vinte e três. Um minuto a mais, você fica de fora e tudo vai para o lixo. Apenas seguiram ordens. Cansaço gratuito, fúria e litros de calmante goela abaixo. União de não sei o quê.
Agora são sete e cinqüenta e nove, de vinte e nove do mês dez, de dois mil e oito. Sobrevivi. Sou o terceiro deste ano que sai vitorioso deste martírio e não dormi mais uma noite. Enfim acabou. Congratulo a todos os colegas que passaram pacientemente por isso. Desligo o maldito e o arremesso na gaveta imunda pra nunca mais tocá-lo.
Escrevo o último ponto final no caderno.

Aos amigos guerreiros que se identificarão nestas palavras.

21 de out. de 2008

MENINA DO CÉU


FOTO: Site Google - "Janela de Avião"

Ai de mim se você não existisse, ai de mim.
Sempre que penso em lhe ver, meu coração congela.
Dispara ao menor toque, sinto-o no pescoço.
O suor inunda minhas mãos.
...
Ai de mim se você não velasse meu medo.
Se não me acalmasse com sua expressão serena.
De seu uniforme impecável, nina meu sofrimento.
Admiro-te tanto!
...
Lá fora vejo nuvens, o céu azul me apavora.
Nunca sei se o tremor é meu.
Jamais desejei que percebesse meu terror.
Agora que soube, é meu o teu colo...quem me dera!
...
Menina do céu de uniforme impoluto e lenço no pescoço.
Se soubesses como me consolas sem querer.
Se soubesses o quanto lhe sigo com os olhos.
Você me faria sempre companhia.
...
Sei que a escolha é minha e sempre será.
O medo é que me descontrola e nunca consigo evitar.
Você me sorri e agradece, sinto-me único.
Preocupo-me sempre com o seu até breve.
...
Menina do céu de uniforme impecável e voz aveludada.
De batom vermelho e sorriso que aquece.
Ensina-me a esquecer meus medos e a dormir nas estrelas.
Mostre-me o prazer com os pássaros e assim desejar estar sempre contigo.

17 de set. de 2008

DIAS DE DESLIGAR

Nesta manhã depois de noite mal dormida,
mais um dia nublado e um longo dia pela frente.
O telefone toca cedo, acordo de sobressalto.
O coração sai pela boca em convulsões incessantes.
...
Uma coca, um café e um folhado murcho e ensebado.
Penso em tanta coisa, ligar para um monte de gente,
dizer o indizível, colocar uma pedra sobre tudo.
Refazer a agenda, organizar os gastos.
...
Em casa, uma poeira fina inunda a madeira.
O piso manchado, a folha seca na planta da sala.
A cama desarrumada, a comida mofada na geladeira.
A correspondência acumulada.
...
O velho plano de seguir mar afora reaviva.
Incomoda, a ânsia pelo fim se renova.
Ainda faltam três noites em claro.
Um número que reduz a lentos passos.
...
Perco a luta para o sono, desanimo.
A britadeira no andar de cima e o pulsar da minha cabeça.
O travesseiro me agride...em vão.
Desisto. Tenho vontade de sumir.
Há dias em que a gente acorda com vontade de sumir.

2 de set. de 2008

PÉROLAS DE QUANDO EM VEZ

FOTO: Pérolas - Site Google


Acho que tudo começou naquele final de semana.
Você tinha acabado de chegar e eu fui seu anfitrião.
Eu disputava com todos a sua atenção e a sua melhor estima.
Dizia: "você gosta mais de mim, não gosta?"
Tempos depois, pra minha felicidade, você me confessou que sim.
...
No ofício, você passou a fazer parte da minha rotina.
O sorriso de sempre e sempre novo.
Mesmo sob pesadas tempestades, nada mudava.
Falando nisso, e como és intempestiva!
Eufórica e falante.
...
Chamava-te de gata. Gosto de dizer as verdades.
E como me divertia com suas "sábias palavras".
Aprendi a falar igual. Ou foi você que aprendeu a falar comigo?
As pérolas de quando em vez e as gargalhadas logo após.
O que dizíamos é impublicável.
...
E os personagens de nossas vidas.
Só nos dois sabemos.
Os almofadas, os animais, as pessoas com nomes de órgãos.
Também impublicável.
A melhor coisa que existe, depois de muitas, é maldizer a vida alheia.
...
Sentemos então para um café. Combinar a rotina mensal.
O pão de queijo de chumbo e o folhado gorduroso.
A coca-cola e o café de macho.
Ou então um almoço e uma defumagem gratuita.
Os desejos e as ansiedades. As explosões de verdades.
...
Numa tarde, durante o ócio, você me desafiou a estas palavras.
E ficaram prontas quando me mandou aquietar as pernas.
Não as aquietei. Apenas li seus pensamentos.
Minha promessa cumpre-se então. Leia.
Leia logo e vamos ali pra mais um café e um falatório da vida alheia.
Dívida paga com muito prazer "gata"!

16 de jul. de 2008

O INGRATO E A MOTOCICLISTA

ILUSTRAÇÃO: A motociclista - Site Google

Pois é meu caro, sempre quis lhe dizer isso, mas só agora eu digo.
Como você era chato! Santo Deus, e como sugava as nossas energias, nem lhe conto!
Mas de que adiantaria se eu lhe revelasse tais verdades, talvez piorasse.
O seu "bom dia" seco e sempre coroado por uma queixa e um pedido, ou melhor, uma ordem. Confesso que era difícil lhe dizer um "não".
Labutamos, ficamos horas e horas em infinitas discussões para tentar descobrir uma maneira de lhe colocar nos eixos, de consertar seus erros - aqueles dos quais, depois me contaram, você se gabava - e de lhe dar conforto mesmo que fosse da pior maneira possível.
Foi uma luta. Lembra daquele dia que me telefonou de madrugada queixando de sua dor de barriga e de seu cansaço. Levantei bufando e fui até você com a melhor das expressões, "pode deixar que eu resolvo". E resolvi.
Você também tinha um lado bom. Aquela música calma, o cheiro de incenso e loção mentolada, o sarcasmo e o humor negro ocasional.
Diverti-me muito quando soube que orientava as mentes alheias, logo você, um louco varrido.
A vida é assim, acabamos gostando dos mais improváveis. Hoje tenho certeza de que você nos queria muito bem, não sei o porquê, apenas sei e agora digo, talvez fôssemos improváveis também.
Pois bem, depois de tudo, tivemos a ilusão de que você fosse se endireitar. Achamos que com o presente que aquela garota motociclista lhe deu, tudo seria novo e diferente.
Mas não foi, a seqüência de erros continuou, e ganhamos de recompensa a sua ingratidão, o seu sumiço. Nunca mais o vi e tenho a impressão de que jamais o verei novamente.
Nadamos e morremos na beira da praia, que deve ser o lugar para onde você fugiu com quem lhe deu o presente.
Sentimos hoje muito a sua falta, guardamos no peito uma batida surda e frustrada, e naquele canto escuro e deserto deixamos verter uma lágrima densa.
Vai ver foi melhor assim, talvez não tivesse jeito mesmo, você ainda continua um chato em outras bandas.
Para você foi melhor assim!

3 de jul. de 2008

PRA NÃO DIZEREM QUE NUNCA FALEI DE AMOR

Foto: Fogão a lenha - Site Google

Existe definição para o que é o amor?
Varia de pessoa para pessoa ou os velhos clichês são a verdade?
"Amar é" respeitar, ser sincero, tolerar diferenças.
Mas isso ocorre quando não se ama também! É confuso.
...
Pra amar é preciso sofrer? Então desisto, a vida cumpre esta função.
É algo tão fortemente bom, que é impossível sofrer? Melhor assim.
Mas se assim o for, nunca amei então ora!
Não lembro de já ter me sentido tão fortemente bem.
...
O amor acaba? É infinito ou só quando dura mesmo?
Só se ama uma vez e o resto é diversão, é paixão.
Ou solidão. Macabra condição.
Ou talvez nem tanto, se amar bem, senão amém.
...
Amar pai e mãe, irmãos, amigos. Isso é fácil.
Ou não. Talvez este amor acabe um dia mesmo.
Construir amor, amor a primeira vista, reamar.
Amar sem ser amado. Mais estudos precisam ser feitos.
...
Quando amamos usamos diminutivos e infantilizamos a voz?
Tornamo-nos atraentes quando somos idiotas e frágeis.
Qual o motivo dos apelidos carinhosos?
O nome da pessoa amada é irritante ou é vontade de se sentir único?
...
Tantas perguntas e respostas vagas.
O amor é incognição, é indefinição, é variável.
Igual barata, adapta-se até ao gelo.
Igual fogo, se não houver o combustível, apaga.
...
Descobri. Amor é manutenção!

2 de jul. de 2008

RELEMBRANÇAS

FOTO: Site Google

Enquanto segue, ele relembra os velhos tropeços, as agruras e as manhãs de gosto amargo, companheiras de outrora que voltaram à tona.
O pobre diabo descobriu - ou apenas relembrou - que esta é a sua essência. O veneno de sua alma, antes latente, agora lança sua toxicidade como nos velhos tempos.
É quase agosto.
Ah tardes frias, ocasos rosados e dias intermináveis! Madrugadas insones, excessos e fúria, calmarias mascaradas pela ressaca das marés.
Tantos e tão só. Velhos e tão distantes. Saudoso, nostálgico e melancólico. A inspiração desaparece no horizonte reto, agora escuro. O que há de novo é o antigo remixado, as frases de sempre e as encardidas sílabas agora invertidas.
Ordinário silêncio que lhe dói o peito. Felicidades efêmeras que, de tão curtas, não lhe causam sequer um esboço de sorriso de canto de boca. Ninguém sabe o que ele quer, dizem ser ingrato, dizem ser confuso, dizem ser apenas o cansaço.
Segue só, na companhia da solidão. Pensa em nada, pensa em tudo, esquece do presente e revive o passado. Futuros do pretérito.
Desconsiderado. Relembra que escrever lhe ameniza a dor de não se sabe o quê. A dor que não dói.
Mágoas em álcool, calmantes, dias cinzentos...refugiado em uma casca frágil.
Ele navega a deriva, num mar de águas profundas, longe da terra firme. Continuam os desejos e as ilusões.
São novos dias, velhos novos dias com as relembranças de um passado ainda presente.

22 de jun. de 2008

CLOCKS - Coldplay

Sou parte da cura e da doença.
Marolas em horizontes infinitos.
Tempestades em dias tranqüilos.
E sinto tanto sua falta.
A cada dia como nunca.
Noites longas de inconformismo.
Tarde ou nunca.
Mais uma vez.
E o tempo segue infalível.
Como sempre...

14 de mai. de 2008

SOBRE O TEMPO

FOTO: Site Google
Tantos marcos, tantas datas. Pouco tempo.
Anos de vida, tempos de Balzac.
A cada década, um novo animal e um pouco de peso.
No fim, um zoológico de exemplos.
...
Traiçoeiro, enganou-me quando pedi que fosse rápido.
Percebi que havia passado sem nada mudar.
Agora é irritantemente lento pois lhe peço.
E se de você preciso, sempre me deixa na mão.
...
A vida é assim, surpreendente em suas regras.
No primeiro momento um olhar.
Em um mês e um dia se ganham os bombons.
E seguimos no aguardo das próximas fases.
...
Rituais, bilhetes antigos e cenas de dias felizes.
Fotos, roupas de bebê e o primeiro brinquedo.
Hoje são apenas paisagens e abstratos.
Gavetas cheias de contas e dias ainda felizes.
...
Ai, ai meu pai eterno!
É tanto, que de tanto as vezes me perco.
São minutos e contagens regressivas, prazos.
Horas a fio e os ponteiros seguem sem parar.
...
As rugas, meus parcos cabelos brancos.
Tempo carrasco e anjo, que arranca e cura.
Faz de mim, por apenas um minuto, seu senhor.
Não fuja, pois não quero mais suas marcas.

CENAS DE UMA VIDA REAL

CENA DO FILME: Band à Part (The Outsiders) - Jean-Luc Godard

Abaixo aos movimentos intelectualóides.
O homem ainda faz boas séries de televisão, há filmes de um amor simples e puro. Falam de flores de vez em quando. Os erros do passado são exemplos para um presente melhor. Meu cérebro precisa de descanso.
É bom rir da jocosa vida marital alheia, descobrir os bastidores de ambientes imaculados e chorar com os reencontros e as descobertas.
Assumir que a futilidade também engrandece.
Torcer pelo lado bom da força, divertir-se com as maldades inocentes de tipos bizarros, sofrer nos momentos de suspense e no final sentir um prazeroso alívio por saber que tudo não passou de pura ficção.
Ouvir uma música diferente e nova, agradar aos ouvidos. Ver e imaginar cenas, esquecer por meia ou uma hora, ou durante os intervalos, das agruras.
Quero ser prático. Quero sentir prazer mais vezes. Reservar um tempinho para emburrecer sem culpa. Iludir-me com a possível bonança depois da tempestade. Aquele casal perfeito continua perfeito e não acaba no final.
Gravar em minha memória e em breve repetir a cena dos três amigos correndo por entre as obras de arte de um famoso museu, sair sem pagar do restaurante mais caro da cidade e no final da noite tomar banho na fonte histórica.
Andar de bicicleta de braços abertos, dirigir um carro conversível vermelho em alta velocidade, encontrar os amigos na cafeteria com mesas na calçada, ter uma noite perfeita, torrar um milhão para ganhar outro.
Dar um beijo debaixo d’água, correr ao encontro de um abraço forte. Chorar a dor num colo amigo. Descobrir que o pouco, embora intenso, foi o suficiente pra se tornar inesquecível. Desistir da eternidade mil vezes somente para ter a sensação de um toque.
Fazer trilhas sonoras. Momentos musicados e duetos inesquecíveis.
Verei mais seriados, irei mais ao cinema.
Talvez seja preciso emburrecer um pouco e ficar adepto dos clichês.
Frases feitas e simples verdades.
Abaixo aos movimentos intelectualóides.

23 de abr. de 2008

CONSTRUÇÃO - Chico Buarque

De uma vez por todas, toda a construção foi desconstruída.
E pela última vez desistiu, foi pela última vez.
Último, tímido, plácido, mágico...sólido, lânguido.
O filho pródigo deixou de ser príncipe.
E dormiu no passeio úmido o seu melhor sono.

28 de mar. de 2008

CONFUSO CONFESSO

FOTO: J.Machado - Um dia ruim - 2008

Quero ser direto, mas não posso, quero dizer algo e não consigo. Sou obrigado a obedecer a uma série de convenções sociais ridículas impostas por não sei quem. Tenho que acomodar tudo em entrelinhas, e num momento de devaneio, tenho a esperança de que alguém apareça e pergunte sobre maiores detalhes.
Sou condenado se quero duetos, penalizado se enalteço a solidão, excomungado se me digo infeliz ou quase feliz. O que é certo então? Se te ligo pra saber como está, porque temo em, de início, dizer que estou com saudades e que amo mais que tudo em minha vida.
Para que lugar foram todos os amigos? Onde estão? Somente eu sinto falta – tenho dúvidas se esta frase é uma afirmativa ou interrogativa. Sempre questionei se o autoconhecimento é a chave para o conhecimento de outrem. Isso tudo está muito difícil, está ficando chato.
Se for pobre diabo, talvez nem o seja tanto assim. Talvez reine absoluto em meu inferno astral. A farta colheita de agora foi plantada por minhas mãos, e como semeei ervas daninhas! E mais uma vez deixei uma tonelada de pérolas na pocilga. Podem nem ser, mas os porcos se fartam.
E a luxúria, os devaneios e o nirvana, que raros se tornaram. Minha montanha russa de tudo. Minhas instáveis emoções. Tentadora oferta que desintegra minha quietude. Minha fera e seu medo. Seu ódio, minha busca, meu nó na garganta. A vida não tem nada de bela hoje.
Confuso. Passei a não me sentir bem. Mal de alma, dor de coração enfim. O que está claro nos outros é o mistério em mim. Decifra este enigma ou devora-me a carne. Cada erro, uma chaga e não repito nunca mais.
Onde está o defeito e o motivo da repelência? Qual o porquê de terem cortado sua luz? E desse assombroso curto circuito, não ando sabendo de nada mais. Sento, escancaro os dentes e espero? Agir de que forma então? A máscara caiu e eu nem sabia que usava. Devia ser feia dado o susto.
Pois bem, as palavras mudaram, talvez não. O sentimento é o mesmo. Aos poucos, o que resta acaba, e os substitutos não mais agüentam o peso. As manhãs estão mais frescas, as noites mais frias, um lado continua vazio. Demoro mais a escrever. Mas prometo ainda falar dos dias melhores.

Coro ao corte de luz da velha casa de um amigo.

19 de mar. de 2008

MINHA QUERIDA COSTUREIRINHA

FOTO: J.Machado - Carretéis - 2008

Ai minha costureirinha, como lutei por ti.
Todos os dias uma surpresa depois das perguntas de sempre.
Seu carinho, sua voz e seu jeito doce.
Tão forte em tão frágil e pequenino corpo.
...
E como lhe queria bem.
Adorava seu raro sorriso e seu jeito austero.
Seus surdos balbucios, mulher de poucas palavras.
E como sonhei insonemente em dar-lhe melhores dias.
...
E como intercedi por ti.
E como implorei, sofria contigo, com suas chagas.
Ai minha doce mulher, por ti tanto me inquietei.
E que ousadia minha lhe chamar de minha.
...
Mas era minha.
A mais querida, a preferida.
A que me ouvia apesar de minha pouca importância.
Mas só pra ti, eu me sentia o maior de todos.
...
Agora foste pra longe dos meus olhos.
Levada por um pássaro com asas de luz.
Costuras agora o véu da alma no manto do infinito.
E saudoso agora estou da minha querida costureirinha.

Homenagem à minha costureirinha!

13 de mar. de 2008

PALAVRAS DERIVADAS

FOTO E EFEITO: J.Machado - Teclado - 2008

Meias palavras, palavras inteiras.
Uma palavra e meia, sufixada.
Apaixonadamente.
Derivadas de momentos.
Inexatas e sem rima.
Verdade, diário, sempre, quase.
...
Perdido em festa.
Substitutos incompletos.
Prisão nas casinhas coloridas.
...
Um suspiro por vez.
Silêncio do olhar.
Ânsias e respostas.
...
Exclamações de sobra.
Interrogações no vácuo.
Incompreensível com muitas reticências.
...
Saudade dos mistérios navegantes.
Cego pela luz da lua.
Incômodo pela claridade dos subjuntivos.
Indecências da euforia ao torpor.
...
Dos caros amigos:
As casas.
O bar.
A vida.
As visões
Os números
...
Do leitor:
Estranho, doce, rebuscado.
Melancólico, insano.
Mensagens subliminares.
É demais pra mim.
...
De mim:
Escrevo sobre desejos.
Textos ainda longos.
...
PS:
Sempre haverá PS's.

9 de mar. de 2008

REVISÃO

FOTO: J.Machado - Espinhos - 2008

Já ouvi, quantas vezes chorei e me perdi.
Experimentei calmantes, calorias, fugas e desejos.
Acomodei-me por vezes, esperei. Fui pra longe buscar.
Agora me disseram para dar um basta em tudo, um ponto final.
Falaram pra impor, nem que seja ao menos um pouco de respeito.
Desviar o olhar para o meu centro, o meu umbigo. Abrir bem meus olhos.
...
Querem que eu volte a ser como o de antes.
Pediram o endurecimento de um coração em degelo.
Saudosismo de um eu passado que era mais conveniente.
Na verdade, não sentir saudade. É menos doloroso apenas lembrar.
Medir as palavras, falar desmedidamente e controlar mais as emoções.
E variar, mudar a rotina, o tema. Colorir e cantar pra espantar o que há de ruim.
...
Quero aprender de forma indolor e rápida.
Não repetir erros e ter imunidade aos espinhos.
Prometer fazer das segundas, sábados de tarde ensolarada.
Pintar de vermelho, azul e amarelo a tela coberta com o velho cinza.
Ou então apreciar melhor este velho e companheiro cinza e aproveitar.
Tentar entender de vez o romantismo e talvez fazer bem melhor do meu jeito.
...
Parar de apenas querer fugir.
Ir para algum lugar e tentar fixar raiz.
Decidir enfim onde devo ficar. Onde devo parar.
Descobrir o tão velho sonhado meio termo, o autocontrole.
Não mais me chocar em extremos. Aceitar que eles apenas existem.
Não querer encontrar explicações coerentes para todos os acontecimentos.
...
Não desejar tanto.
Não me irritar e não me encantar.
O medo é desafio. A dúvida, um estímulo.
Cura e realização, a rotina. Rosas e carambolas, um doce passado.
Nas bandas de lá ou nas de cá, com os irmãos e o vento, um presente feliz.
Colo de mãe, o sonho. Sem receio de ser repetitivo. E no ponto final, seu sorriso.

3 de mar. de 2008

A MENINA DAS TRÊS CASAS

FOTO: J.Machado - Pela Persiana - 2008

Foi por ela que um dia eu lhe vi.
Na verdade, fui eu quem lhe chamou.
E alguns dias depois você me viu.
Ou olhou, não sei bem, respondeu-me.
...
Foi logo depois de eu abrir a persiana.
Seu jeitinho doce, palavras cor de mel.
Fez-me ver que a vida é boa e merecida.
Que nada é tão tragédia assim.
...
Tens nome de menina e três casas.
O sino a tilintar e música doce ao fundo.
Imagens de sol, céu azul e o mar do sul.
E o olhar nas muitas entrelinhas.
...
Disse-me que a esperança ainda vive.
Que ainda voa bem lá no alto.
Sobreviveu às intempéries e aos vícios.
E que tudo vale muito a pena.
...
Ela existe sim, bem longe, bem perto.
A menina de palavras doces e de três casas.
Visito-a sempre que abro a janela.
Só para ter um sorriso de orelhas.
Um presente de aniversário!

1 de mar. de 2008

SLIPPING AWAY - Moby

"Open to everything happy and sad.
Seeing the good when it's all going bad"

28 de fev. de 2008

UM ESTRANHO NO NINHO

FOTO: Site Gold and Science - Berçário de Estrelas

Há certos momentos na vida em que fraquejamos e só queremos sumir e encontrar um lugar pra reenergizar.
Há pouco me ocorreu um destes momentos. Quase meia noite e um cansaço inexplicável me dominou sem motivo algum. Era um desânimo, uma incapacidade de enxergar a bondade do próximo minuto.
Entrei no elevador. Queria subir pra me deitar e, no entanto, desci. Saí no térreo e despretensiosamente tinha a intenção de tomar um gole de ar pra aliviar a sede do meu sufoco. Mais um daqueles incontáveis momentos de angústia já ocorridos outrora.
Era noite fresca, de brisa leve e agradável. No caminho uma velha senhora me abordou. Perguntou-me se queria conhecer um novo lugar, prometera que lá me sentiria renovado. Já o conhecia na verdade, mas aceitei de bom grado o convite tão amistoso.
Quando entrei, quase dei meia volta. Decibéis e mais decibéis de choro insistente dos recém chegados. Era uma algazarra irritante. Desafiei a minha irritação e adentrei-me. Era uma sala grande e verde. Havia vários pequenos berços de acrílico, dentro de todos eles havia um ser pequenino.
Lindos e horrendos, uns dormiam profundamente, outros se remexiam e choramingavam por algo, leite ou afago, não soube definir. Deu uma vontade imensa de pegar um no colo, mas a fragilidade era grande - deles ou minha?
Um me chamou a atenção, estava num canto. Era uma menina de choro alto e estridente. Tinha uma carinha amassada, narizinho de batata e bochechas rosadas, o tipo preferido de propaganda de margarina. Cheguei bem perto, e com um cuidado inimaginável, infantilizei bem a voz e como nunca havia feito, comecei a ninar a figura. Cantei uma música que acabara de inventar.
Para minha grata e feliz surpresa, ela sossegou instantaneamente. Alguns comentários do tipo, “é... já pode ser pai", foram ditos naquela hora. Pensei com um sorriso de canto de boca, por enquanto ainda prefiro os cachorros que não tenho.
Mas, naquela hora, os bebês me acalentaram, deram-me a energia que buscava. Muita coisa muda em raros e puros momentos desse tipo. Senti algo bom, parecia até cena de filme, os olhos marejaram de contentamento sem causa definida.
Acho que não foi vontade paterna, não mesmo. Sei que pelo menos consegui ver a bondade, ainda inexistente, do próximo minuto, do próximo dia e do próximo ano. E foi assim que naquela noite sonhei com todos os bebês juntos e não foi um pesadelo. Acordei novo.

20 de fev. de 2008

MISTÉRIOS


"Se o cérebro humano fosse tão simples que pudéssemos entendê-lo,
seríamos tão simples que não o entenderíamos."

Lyall Watson

O telefone toca e a menina acorda assustada. Número não identificado e ela atende. Não ouve nada, apenas longos suspiros e um choro baixo. Logo a ligação cai. Ela só pensa no pior.
Pouco depois o telefone novamente toca. O mesmo choro, agora sem os suspiros. O pânico lhe invade e nada mais acontece. A ligação dura menos.
Ela se levanta, olha pela janela de seu décimo andar e por alguns momentos sente-se segura. Verifica todos os trincos das portas. Pelo olho mágico vê apenas um corredor deserto.
Ainda resta muito tempo para dormir e a menina, agora mais calma, deita-se em sua cama. O sono vem fácil. No aconchego de seus alvos lençóis, adormece mais uma vez. E numa trilha estreita, agora a menina se vê. Corre desesperada, sem saber de que e pra onde. Segundos depois ela cai. Acorda em queda livre e ouve batidas surdas em sua porta. Ela se levanta e no breu se dirige à porta. Seu coração lhe sai pela boca. Mais uma vez pelo olho mágico avista um corredor vazio. Maldito seja quem a acordou pela segunda vez.
Segundos depois lhe batem à porta outra vez. Nada pelo olho mágico. Apenas um bilhete na soleira da porta. Uma gota borrava a escrita. "Espere mais um pouco, durma ainda", dizia o bilhete. Sem entender, ela o relê mil vezes, vira de ponta cabeça, coloca o papel contra a luz e não descobre a mensagem oculta.
Depois de se acalmar, ela volta pro seu quarto. Desiste de pensar em porquês e dorme. Sonha que está presa numa cadeira, imóvel. Sente um medo terrível e uma vontade imensa de que tudo acabe rápido. O sonho acaba em reticências.
A menina acorda com o despertador que toca, não se lembra do que sonhou. Lembrou-se do longo dia que havia pela frente e por alguns momentos sentiu o peso da obrigação. Ao sair, havia outro bilhete sob a porta, agora com cheiro de perfume. "Agora sim, pode ir e que seu dia seja bom", ela leu. Sente algo quente no peito. Ela então dobra e guarda o bilhete no bolso.
Um tempo depois, ela retira o bilhete de seu bolso, relê, e uma lágrima furtiva borra a escrita. A lágrima era sua. Tentou controlar suas emoções e como era de se esperar, não conseguiu. Temeu que outros vissem seu choro. Cabisbaixa e com um sorriso na alma, a menina seguiu seu caminho.
E como lhe foi desejado, não se sabe por quem, a menina teve um dia bom e com bocejos.

15 de fev. de 2008

CRÔNICA DE UM DIA QUENTE

FOTO: J.Machado -Sombra e Água fresca - 2008

Quente, logo cedo um sol de meio dia. Depois de um longo banho, saio de casa já suando em bicas. No trânsito, um monte de antas, em suas carroças possantes com volantes de testosterona, insultam todas as gerações de quem estava perto. Duas senhoras gazelas discutiam enaltecidamente quem era a mais mundana. E um monte de porcos, com os buços lotados de gotas de suor, aplaudia.
De longe e meio que impotente, a multidão assistia ao espetáculo de um assalto. A pobre menina de bolsa rosa ficara sem sua sacola de supermercado e ainda havia levado uma vassourada. Não sei se xingava os pivetes ou os inertes, a mim talvez.
E o calor de uns quarenta graus tornava tudo aquilo mais bizarro.
Noutro canto, outro circo se armava. O paraplégico em sua cadeira de rodas pedia o motorista do ônibus para encostar mais perto da calçada. Como isso não foi possível, o que o motorista ouviu? "Seu babaca, mal educado, vá pra m...". E toda a beleza da desgraça humana mais uma vez se escancarava. Dante iria amar isso aqui.
Em meio a toda a balbúrdia, uma distinta senhora pseudo-européia, loura oxigenada e barata, discutia com o distinto rapaz sobre em qual lugar deveria guardar seus papéis picados. Se era na lixeira, como o rapaz pedia, ou no meio da rua, como a ignóbil criatura já o fazia. Há uma população de vermes soltos.
E de repente, ao abrir o armário, seu doutor vê que uma cópia de um importante documento havia sido usada como rascunho para lista de supermercado. Ele só não xingou a digníssima mãe do autor da façanha e não lhe deu um soco nas fuças, pois não sabia quem era. Acho que ainda o procura com uma foice nas mãos.
O velho tablóide tupiniquim de quinta, comprado por todos a vinte e cinco centavos, noticia violência, esporte e mulher pelada. Além do mais, oferece a quem comprar um exemplar, um carrinho de brinquedo. E tem um monte de gente gastando dois reais numa pilha de jornal barato.
O mauricinho na porta do boteco copo-imundo abre o capô de seu carro e um som horrendo sai da caixa, um tal funk com cinco velocidades. Do lado, um monte de garotas fina-flor, com pizzas axilares e grandes cintos, mostra sua coreografia erótica levanta defunto pra um bando de bode velho babão. Tragicomédia cotidiana.
Está difícil viver, é só sair de casa e todo o caos me esmaga. As boas cenas de um dia são raras e ainda assim pouco memoráveis. Fico feliz por voltar à minha casa, meu mundinho perfeito paralelo. Nele ninguém xinga, nele há um cão imaginário que me faz companhia. Nele só ouço palavras doces.
Mas pode deixar, na próxima, mesmo neste calor, falarei de dias melhores. O trânsito irá desaparecer, a mocinha de bolsa rosa terá outra sacola de supermercado, a loura será mais educada e a música será melhor. Eu ainda cumprirei esta promessa. Sente, mude de posição periodicamente, previna a dor nos ísquios. A espera pode ser longa.

12 de fev. de 2008

AINDA SONHO

FOTO J.Machado - Iluminação - 2008

Hoje pedi a Deus pra me iluminar, rezei forte, debulhei várias contas. Horas a fio a beira do leito, pensamentos distantes e teclas repetidas. Desejei britas quentes sob meus joelhos. Pedi dádivas pra outros, talvez pra que não ficasse tão óbvio o meu egoísmo.
Escrevi repentinamente.
Tinha pânico de novas feridas. Pedi pra dormir, pedi sonhos. Pedi um tempo fresco e água gelada. Pedi que o canto fúnebre cedesse seu lugar a uma melodia harmonicamente adocicada e de sabor prolongado.
Num dos mistérios desejei que momentos bons se eternizassem. Pedi gosto. Pedi só que o relógio parasse. Pedi que o ano novo se acabasse. Queria um rumo, uma raiz e um cão amigo. Nada de novas falsas impressões e doces inúteis melancolias.
Não podia mais me cansar. Cansei de por no papel os dias de sofrimento e aceitar imposições com sorrisos hipócritas. Tinha que esperar a escravidão acabar pra dar um fim a todos os momentos de brutalidade e incoerência. Arrependi-me de apontar o dedo e espalhar o veneno da minha raiva em gotas de saliva.
Pedi educação e ordem. Pedi que falasse mais baixo e que sentisse um mínimo de orgulho. Só queria novas boas impressões sobre velhos conceitos banais. Só desejei que todos soubessem aonde estão as lixeiras.
Sim, sim, pedi, desejei, sonhei.
Dormi e pedi, sim, para não sentir mais dor.

3 de fev. de 2008

PRISÃO DOMICILIAR

FOTO: J.Machado - Prisão Domiciliar - 2008

Eu tenho a chave de casa e não consigo sair. O mundo lá fora tirou férias e todas as portas e janelas estão fechadas. Por onde olho e sob qualquer ângulo não vejo vivalma. As árvores se refrescam livremente ao vento. E o vento, por sua vez, segue sem impecílios.
Sem fumaça, sem carros, onde estarão todos? Que lugar no mundo comportaria a população fugitiva de uma metrópole inteira?
Nesta época alguns libertam os demônios e se entregam a bacanais de pão e circo, outros dormem e fazem planos. O restante apenas some.
Passei por vários quarteirões e não saí da calçada, senão nos momentos em que atravessei a rua. Fui a lugares antes badalados e entregues a moscas estavam. Fui obrigado a voltar de mãos abanando e os pés sujos de lama. Dada a fome e o avançar da hora, fui obrigado a inventar uma gororoba tupiniquim de quinta. Não que eu cozinhe mal, não é isso. É desalentador cozinhar pra um só, a pressa acaba estragando o tão sonhado banquete.
O silêncio é bom, em excesso dá náuseas. A solidão é necessária e faz parte do auto-conhecimento, mas quando sobra fica entediante. O que consola é que isso acontece apenas uma vez no ano. É suficiente. Nos outros apenas descansamos.
E o mais intrigante é que quando o lugar volta a ser novamente habitado, falta me faz o deserto de agora e o silêncio. O ser humano irrita pela sua inconstância e a eterna insatisfação.
E agora dentro de casa vejo sol e chuva, vejo gotas no vidro da janela, vejo o amanhã, vejo a porta fechada. Sinto o cheiro de flor e o de terra molhada. Pelos corredores e quartos revivo cenas esquecidas.
Não vejo nada em quadrados.
Em minha prisão tenho quatro chaves da porta e não consigo sair.

1 de fev. de 2008

CASINHAS COLORIDAS

FOTO: J.Machado - Casinhas Coloridas - 2006

Há quinze anos minha vida ficava mais colorida.
Chegou linda, ainda é e com traços perfeitos.
A terceira mais esperada, com certeza a mais.
Tão protegida e tão independente.
...
Cresceu rápido, esticou e já nos olhamos nos olhos.
É tão linda que não consigo conter as palavras.
Já é hoje, o primeiro grande marco de sua vida.
Estou ao seu lado, dentro do seu coração, na sua casinha.
...
Ouço de perto sua voz e seus sorrisos fáceis.
Ainda mordo seu nariz de batatinha.
E lhe abraço forte, como era fácil lhe carregar.
Hoje eu nem sei, faz um tempão, que saudade.
...
Vejo rosa e lembro de você, o belo lhe lembra.
Roupa rosa, sapato rosa, casinhas rosas.
Lembro dos caracóis de seus cabelos.
Transformaram-se em longas madeixas lisas.
...
Hoje é de longe que lhe desejo tudo.
O melhor e o mais puro que existe.
O que prometo sempre cumpro, você sabe bem.
Bastam pitadas de paciência e casinhas coloridas.
...
É assim, se não entendeu é só perguntar.
E este é mais um seu, eu lhe avisei.
A única com tamanho privilégio.
Com os meus parabéns e um imenso eu te amo.

27 de jan. de 2008

DA EUFORIA AO TORPOR

FOTO: J.Machado - Como era no início - 2008

Enfim tudo começou, o quarto era escuro e úmido.
Passou num meio piscar de olhos e já deu as caras.
Assim que viu a luz, sofreu pela primeira vez.
Chega aos berros pedindo atenção e alimento.
...
Desce do colo, fica de joelhos, primeiros passos.
E de cada vez mais alto vê seus pés maiores.
Ouve e entende, obedece...pode já olhar pra trás.
Conta as primeiras histórias. Cria memórias.
...
As batidas do tambor são cada vez mais rápidas.
E são mais imagens que se acumulam. Cresce.
Sente frio e calor. O ritmo é acelerado, sente dor.
Os sorrisos passam a ser planejados. Deseja.
...
Sem ninho. Ganha o mundo e é mais um que chega.
Decide, sobrevive, luta e se alimenta. Aprende.
Não pode parar. Tropeça, cai e apruma o corpo.
Corre, pensa. Mais uma batalha e volta pro abrigo.
...
Superlativos e prefixos de intensidade.
Dificílimo, hipermovimento, hiperbalada.
Adrenalina, prazeres, manias e vícios.
Trânsito congestionado. Sinais de exaustão.
...
Desacelera. Agora olha pra trás novamente.
Decide deixar de lado os superlativos.
Dietético, moderado, caminhadas e soníferos.
Procura a segurança e o silêncio.
...
Eram quatro, passou pra dois, agora são três.
Agora vê seus grandes pés mais de perto.
As vezes dorme acordado e em outras pede ajuda.
E já começa pensar em desistir.
...
Agora pára, decide dar seu lugar a outro.
Agora não vê mais seus pés. Desiste.
Olha para o teto por alguns poucos segundos.
E por fim adormece em seu velho quarto escuro.

24 de jan. de 2008

MERAS CONSTATAÇÕES

FOTO: J.Machado - Nós Rabiscamos - 2008

É sempre assim. O que é bom sempre dura pouco e o tempo exato para nos deixar frustrados. O melhor doce, a viajem perfeita, as férias. O ruim é como visita inesperada, que chega sem marcar hora e não tem a mínima pressa de ir embora.
É sempre assim. Ninguém nos dá exatamente o que esperamos, embora muitos de nós tenhamos a sensação de que damos até mais do que é merecido. São pérolas a porcos o tempo todo. Somos condenados a ser carentes patológicos e exigentes em demasia.
É sempre assim. Temos sempre a sensação de que o que é feito por nós é insuficiente e insignificante. Nada está bom e incomoda sempre. Não há nunca uma obra que prime por alguma qualidade e sim e sempre pela imperfeição.
É sempre assim. Nos filmes, os melhores romances terminam mal. Tem ficado raro o velho "felizes para sempre". O personagem principal tem uma doença grave e fatal, morre de morte matada ou acaba explodindo no final. A vida é tão cruel assim?
É sempre assim. Todos os dias somos avisados dos males que causamos ao nosso meio, seja o ambiente e até mesmo nossos corpos. Agimos, no entanto, com se fôssemos ganhar prêmios valiosíssimos por colocarmos nossos pescoços numa guilhotina.
É sempre assim. Ninguém se lembra de ninguém, ninguém faz nenhuma falta. Em situações limite ninguém se apóia, e a fina e enferrujada corrente que insistia em unir se rompe e se torna um imã com pólos iguais.
É sempre assim. Assumimos, endeusamos e persistimos com nossa auto-sabotagem afetiva. Somos incapazes de mudar. Muitas vezes questiono se realmente lutamos por isso. E por que a idéia de aceitar as diferenças alheias é tão repulsiva?
É sempre assim. Para quê escrever na terceira pessoa do plural? Assumir todas as imperfeições sozinho é um mal, mata? E pra quê assumir imperfeições, pra me tornar mais repulsivo e afastar de mim os que insistem em me restar?
É sempre assim. Sofrer por amor. Sofrer por algo ou alguém que não existe, por quê? Mas o que é o amor? Que coisa tão mórbida é essa que nos tira o sono, que nos transforma em idiotas, que nos tira a razão e nos faz rir pra qualquer desconhecido?
É sempre assim. E será sempre assim porque foi feito por nós e por mim.

21 de jan. de 2008

SOBRE CANÇÕES E PRECES

FOTO: J.Machado - A Casa - 2006

Cansei de me prostrar diante do maestro para pedir que tocasse a minha música preferida. Até agora não ouvi uma só nota da melodia que sempre desejei. Apenas os esboços mal escritos de canções de quinta vagueiam titubeantes no vácuo.
Os joelhos estão doloridos de tanto se apoiarem no chão áspero e seco. No centro do átrio gélido, as batidas metálicas do meu coração dividem espaço com o ruflar de asas das aves vadias. Os dedos tem suas pontas já violáceas de tanta força ao por minhas mãos em prece. Quantas vezes já passei por aquelas pesadas portas como se fosse a primeira vez.
Desejo tanto, mas tanto, que muitas vezes me perco a desejar sempre o mesmo, uma lista de dez pedidos iguais. As frases de pompa e os rodeios seculares se transformaram em conversas de balcão de bar. É sempre a mesma coisa e já entedio.
Tento preencher os dias sós com conversas especulares. Afasto a mesmice com efêmeras amenidades com os velhos estranhos. E é sempre tudo igual, nada some. Em minha mente já formulei protótipos perfeitos, disseram-me ser imperfeitos e já os destruí. Criei novos, acostumei-me e agora nem tenho mais combinações.
Fico horas dentro daquela casa e saio com a esperança renovada. Ainda espero. Será muito? Os velhos vitrais já tingiram minha alma. Dentro, fora, longe ou perto, e a via sacra se mantém.
E desejo tanto, tanto e tão simplesmente. Nada mais que um mínimo esforço possa talvez me dar. Como na construção em suas proparoxítonas intensas e marcantes, únicas como o filho pródigo que dessa vez não retornou à casa. Como tudo que é tão certo e tão puro.
Cansei de desejar, mas ainda desejo. Tanto e tanto. Tanto por algo que jamais senti ou conheci, que jamais tive. Mas que um dia terei tanto, mas tanto, que mesmo em excesso não me cansarei de desejar.

15 de jan. de 2008

DIETA DE CARAMBOLAS

FOTO: J.Machado - Carambolas - 2006

Numa noite dessas, quando lutava contra o sono para prolongar meu dia, rememorava minha infância. Lembrava de um outro “eu” brincalhão, tímido e tranqüilo. O que me tirava o sono, mesmo assim por poucos segundos, era a prova do dia seguinte ou a sabatina geográfica a cada duas semanas. O que me entristecia era ser o primeiro a ser encontrado nas brincadeiras de esconde-esconde.
O ruído de liquidificador, a boa vitamina de banana pela manhã, o almoço sempre quentinho, a cama feita, muita mordomia! Nem é muito bom ficar lembrando, nostálgico como sou, posso até acreditar que isso um dia volte.
Em meu quintal havia uma caramboleira que vivia carregada de doces frutos. À noite, quando eu me sentava à porta de casa com os amigos, meu pai nos levava uma sacola cheia. Era o petisco da conversa noturna.
Melhor que ganhar presente de Natal, era comprar a lista de materiais escolares no início do ano. Tudo novinho, estojo que abria ao apertar um botão, borracha com odor de chiclete e que borrava tudo e caneta de dez cores das quais só usava uma.
A vida tem várias fases, muito mais do que consta na literatura. Talvez a infância seja a mais notável por ser a melhor. Talvez seja a única fase em que consigamos ver como a vida é doce e vivenciemos essa doçura.
O meu "eu" de hoje enxerga a doce candura da vida, mas por breves e raros momentos, toma muito café e anda sempre apressado. Come a cara e escassa carambola borrachóide de supermercado, acorda cedo e dorme pouco.
Meus desejos também mudaram, na verdade mudam a todo momento, alguns são imutáveis. São coisas que jamais pensei desejar um dia. Na maioria das vezes, meus presentes quem me dá sou eu mesmo. Felizmente tenho muito o que agradecer, até mais que pedir.
A alegria e os sorrisos derivam das aventuras de personagens de velhos desenhos animados, de uma boa música, de uma noite tranqüila de sono e de todas as contas pagas.
A melancolia de hoje é um forte desejo de reviver sentimentos do passado, a frustração talvez seja o fruto de uma contínua solidão e o cansaço resulta do excesso de trabalho oriundo da necessidade de sublimar alguma energia contida.
Dúvidas tenho aos montes, penso um milhão de vezes antes de agir e todos os atos são calculados. Que fique claro que não sou um andróide.
Enfim, é necessário revisitar os bons tempos, somente os bons. Isso faz com que eu encare positivamente os obstáculos cotidianos e torne mais leve, pelo menos um pouco, o mundo sobre meus ombros.
Uma coisa ainda falta, preciso comer mais carambolas!

14 de jan. de 2008

NAVEGANTE

FOTO: J.Machado - O barco - 2008

Cansei de desejar e implorar por não sei o quê.
Se o choro já encheu três oceanos.
A ânsia por qualquer coisa já criou um mundo.
Cismei que me completo se amar.
...
Quantas noites sem estrela a deriva fiquei.
O demônio do meio dia se estende às madrugadas.
Ficou muito fácil falar de desamor.
...
De suas várias imagens não vejo uma.
Por mais que me instrua em manuais e ombros.
Os dias ainda permanecem longos.
Continuo sem saber de nada.
...
A garrafa voltou com a mesma mensagem.
Sem remetente e com a mesma letra.
Borrou com o tempo e a umidade.
...
Por enquanto apenas o tempo passa.
O resto fica e se acumula num canto.
Sob a pesada poeira da dúvida.
E em lágrimas meu barco continua a navegar.

11 de jan. de 2008

A DOR

FOTO: J.Machado - Band-Aid - 2008

Hoje, após longa noite bem dormida e regada a maravilhosos pesadelos, uma dor o acordou.
Dor sem rumo, sem medida e de qualquer lugar. Doía intensamente sem doer. Oprimia o peito, secava a garganta, queimava o corpo e contorciam-lhe ocas vísceras. Dor nunca descrita antes e jamais sentida. Dor de múltiplas causas.
Dor de ferida fechada, dor sem inflamação, dor branca, dor sem sangue.
Dor da dúvida, dor de raiva, dor de saudade, dor de desespero. Impaciente dor, irremediavelmente dolorida. Dor por não saber se respirava, dor por ansiar por um movimento ou um profundo suspiro.
A dor era tanta que o pobre não tinha forças pra gemer, mesmo um simples "ai" não cabia.
Abriu todas as janelas e respirou o ar do mundo. Inquieta dor inquietante.
Gritou por socorro, somente o silêncio o ouviu. Implorou atenção, os passos de uma formiga eram a multidão. Analgésicos e hipnóticos, o estoque era insuficiente. Chorou e pediu para morrer.
Pediu paz, pediu trégua, pediu um sorriso e só uma ligação. Sem precisar, pediu até perdão. Sentiu-se miserável. Exausto, o coitado dormiu com a dor.
Viu do alto uma criança fazendo um castelo de areia e sentada num banco, uma senhora velava sua inocência. Fitava-lhe com orgulhosos e marejados olhos.
A dor que não doía por fim se foi, fulminante alívio.
Sentiu a paz no silêncio, aqueceu-se no manto frio da solidão e dividiu igualmente toda a sua necessidade. Não viu mais nada, estava tranqüilo.
Apenas teve medo de que fosse tarde demais.

8 de jan. de 2008

ROUPA SUJA

FOTO: J.Machado - Cangas - 2008
A viagem foi longa e ao lar agora retornei.
Eu estava distante, aquém do que gostaria.
Talvez um pouco além do que imaginava.
...
Peregrinei por lugares ainda desconhecidos.
Desci por longos e acidentados caminhos.
Até chegar ao meu novo destino desejado.
...
Não fui em busca de algo ou mesmo alguém.
Se foi pra me encontrar, digo que me perdi.
Foram dias de felicidade e euforia desmedida.
...
Senti sob os meus pés a areia das estrelas.
Mergulhei cegamente num mar de ilusões.
Pra não perder o hábito, afoguei as mágoas.
...
O sol foi o meu grande amigo de todos os dias.
Os excessos e exageros se tornaram a rotina.
Faltavam só alguns dias para o fim do mundo.
...
Num dia fui um palhaço, noutro fiz dramalhão.
Tive ilusões momentâneas e dias de frustração.
Vi o passado por dois centésimos do presente.
...
Tropecei nas pedras das antigas e escuras ruas.
Sentei na calçada e tratei o cansaço numa sarjeta.
Sobre uma mesa observei o balé da multidão.
...
Chegou a hora do regresso, tudo um dia acaba.
Sujei uma pilha de roupas, várias em um só dia.
Voltei apenas para lavar a vestimenta cotidiana.
...
Estendidas no varal, as roupas secam ao vento.
Balançam suavemente como se fossem novas.
Pra serem manchadas novamente com a nódoa da vida.