29 de out. de 2008

QUATORZE INÚMERAS HORAS

FOTO: Site Google - "Corredor Solitário"

As palavras agora derivam do alívio, do cansaço, da raiva contida, de um desabafo.
Achei que fosse enlouquecer naquelas noites longas e insones, naqueles corredores escuros, no 258 com seus amontoados terminais. Perdi a conta de quantas vezes amaldiçoei o toque daquele telefone. No reino das tolas burocracias e dos formulários nas madrugadas, os mesmos acessos eram perdidos e as necessidades eram sempre raras.
Sempre tive a sensação de que alguém me vigiava quando, no raro descanso, rendia-me ao torpor na masmorra escura e com frangalhos usados como cortinas. Foram quatorze horas multiplicadas por quarenta, foram vinte multiplicadas por quinze, nem sei. Conto os centésimos para o fim.
Lembro-me das várias visitas ao primeiro e ao térreo para antever e abreviar meu sofrimento. Era conhecido, e nesta guerra fiz bons amigos. Ganhei doce de leite e de mamão. Ficava aliviado quando se esgotavam as vagas. Sempre pensava que teria uma noite tranqüila. Inocente engano. Nas madrugadas, eram tantas as surpresas que nem me surpreendia mais.
Recordo-me com asco da sopa de restos das vinte e três. Um minuto a mais, você fica de fora e tudo vai para o lixo. Apenas seguiram ordens. Cansaço gratuito, fúria e litros de calmante goela abaixo. União de não sei o quê.
Agora são sete e cinqüenta e nove, de vinte e nove do mês dez, de dois mil e oito. Sobrevivi. Sou o terceiro deste ano que sai vitorioso deste martírio e não dormi mais uma noite. Enfim acabou. Congratulo a todos os colegas que passaram pacientemente por isso. Desligo o maldito e o arremesso na gaveta imunda pra nunca mais tocá-lo.
Escrevo o último ponto final no caderno.

Aos amigos guerreiros que se identificarão nestas palavras.

21 de out. de 2008

MENINA DO CÉU


FOTO: Site Google - "Janela de Avião"

Ai de mim se você não existisse, ai de mim.
Sempre que penso em lhe ver, meu coração congela.
Dispara ao menor toque, sinto-o no pescoço.
O suor inunda minhas mãos.
...
Ai de mim se você não velasse meu medo.
Se não me acalmasse com sua expressão serena.
De seu uniforme impecável, nina meu sofrimento.
Admiro-te tanto!
...
Lá fora vejo nuvens, o céu azul me apavora.
Nunca sei se o tremor é meu.
Jamais desejei que percebesse meu terror.
Agora que soube, é meu o teu colo...quem me dera!
...
Menina do céu de uniforme impoluto e lenço no pescoço.
Se soubesses como me consolas sem querer.
Se soubesses o quanto lhe sigo com os olhos.
Você me faria sempre companhia.
...
Sei que a escolha é minha e sempre será.
O medo é que me descontrola e nunca consigo evitar.
Você me sorri e agradece, sinto-me único.
Preocupo-me sempre com o seu até breve.
...
Menina do céu de uniforme impecável e voz aveludada.
De batom vermelho e sorriso que aquece.
Ensina-me a esquecer meus medos e a dormir nas estrelas.
Mostre-me o prazer com os pássaros e assim desejar estar sempre contigo.