15 de jan. de 2008

DIETA DE CARAMBOLAS

FOTO: J.Machado - Carambolas - 2006

Numa noite dessas, quando lutava contra o sono para prolongar meu dia, rememorava minha infância. Lembrava de um outro “eu” brincalhão, tímido e tranqüilo. O que me tirava o sono, mesmo assim por poucos segundos, era a prova do dia seguinte ou a sabatina geográfica a cada duas semanas. O que me entristecia era ser o primeiro a ser encontrado nas brincadeiras de esconde-esconde.
O ruído de liquidificador, a boa vitamina de banana pela manhã, o almoço sempre quentinho, a cama feita, muita mordomia! Nem é muito bom ficar lembrando, nostálgico como sou, posso até acreditar que isso um dia volte.
Em meu quintal havia uma caramboleira que vivia carregada de doces frutos. À noite, quando eu me sentava à porta de casa com os amigos, meu pai nos levava uma sacola cheia. Era o petisco da conversa noturna.
Melhor que ganhar presente de Natal, era comprar a lista de materiais escolares no início do ano. Tudo novinho, estojo que abria ao apertar um botão, borracha com odor de chiclete e que borrava tudo e caneta de dez cores das quais só usava uma.
A vida tem várias fases, muito mais do que consta na literatura. Talvez a infância seja a mais notável por ser a melhor. Talvez seja a única fase em que consigamos ver como a vida é doce e vivenciemos essa doçura.
O meu "eu" de hoje enxerga a doce candura da vida, mas por breves e raros momentos, toma muito café e anda sempre apressado. Come a cara e escassa carambola borrachóide de supermercado, acorda cedo e dorme pouco.
Meus desejos também mudaram, na verdade mudam a todo momento, alguns são imutáveis. São coisas que jamais pensei desejar um dia. Na maioria das vezes, meus presentes quem me dá sou eu mesmo. Felizmente tenho muito o que agradecer, até mais que pedir.
A alegria e os sorrisos derivam das aventuras de personagens de velhos desenhos animados, de uma boa música, de uma noite tranqüila de sono e de todas as contas pagas.
A melancolia de hoje é um forte desejo de reviver sentimentos do passado, a frustração talvez seja o fruto de uma contínua solidão e o cansaço resulta do excesso de trabalho oriundo da necessidade de sublimar alguma energia contida.
Dúvidas tenho aos montes, penso um milhão de vezes antes de agir e todos os atos são calculados. Que fique claro que não sou um andróide.
Enfim, é necessário revisitar os bons tempos, somente os bons. Isso faz com que eu encare positivamente os obstáculos cotidianos e torne mais leve, pelo menos um pouco, o mundo sobre meus ombros.
Uma coisa ainda falta, preciso comer mais carambolas!

Um comentário:

  1. Carambola me lembra quintal de avó, quando eu corria para brincar com meus bonequinhos dos Comandos em Ação sozinhos. Na verdade, eu não estava sozinho: os bonecos eram a minha companhia.
    Hoje não são mais eles que nos acompanham. São esses presentes auto-dados, como você muito bem escreveu, que acalantam, de certa forma, o vazio deixado pelas lembranças de um tempo feliz.

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