3 de fev. de 2008

PRISÃO DOMICILIAR

FOTO: J.Machado - Prisão Domiciliar - 2008

Eu tenho a chave de casa e não consigo sair. O mundo lá fora tirou férias e todas as portas e janelas estão fechadas. Por onde olho e sob qualquer ângulo não vejo vivalma. As árvores se refrescam livremente ao vento. E o vento, por sua vez, segue sem impecílios.
Sem fumaça, sem carros, onde estarão todos? Que lugar no mundo comportaria a população fugitiva de uma metrópole inteira?
Nesta época alguns libertam os demônios e se entregam a bacanais de pão e circo, outros dormem e fazem planos. O restante apenas some.
Passei por vários quarteirões e não saí da calçada, senão nos momentos em que atravessei a rua. Fui a lugares antes badalados e entregues a moscas estavam. Fui obrigado a voltar de mãos abanando e os pés sujos de lama. Dada a fome e o avançar da hora, fui obrigado a inventar uma gororoba tupiniquim de quinta. Não que eu cozinhe mal, não é isso. É desalentador cozinhar pra um só, a pressa acaba estragando o tão sonhado banquete.
O silêncio é bom, em excesso dá náuseas. A solidão é necessária e faz parte do auto-conhecimento, mas quando sobra fica entediante. O que consola é que isso acontece apenas uma vez no ano. É suficiente. Nos outros apenas descansamos.
E o mais intrigante é que quando o lugar volta a ser novamente habitado, falta me faz o deserto de agora e o silêncio. O ser humano irrita pela sua inconstância e a eterna insatisfação.
E agora dentro de casa vejo sol e chuva, vejo gotas no vidro da janela, vejo o amanhã, vejo a porta fechada. Sinto o cheiro de flor e o de terra molhada. Pelos corredores e quartos revivo cenas esquecidas.
Não vejo nada em quadrados.
Em minha prisão tenho quatro chaves da porta e não consigo sair.

Um comentário:

  1. Juca,

    Entendo o que fala, mas a mim essa paz toda chegou em boa hora foram algum dias de descanso, muito bem vindos!

    É sempre bom ler seus textos, suas reflexões...

    Beijos,
    Carol

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