15 de fev. de 2008

CRÔNICA DE UM DIA QUENTE

FOTO: J.Machado -Sombra e Água fresca - 2008

Quente, logo cedo um sol de meio dia. Depois de um longo banho, saio de casa já suando em bicas. No trânsito, um monte de antas, em suas carroças possantes com volantes de testosterona, insultam todas as gerações de quem estava perto. Duas senhoras gazelas discutiam enaltecidamente quem era a mais mundana. E um monte de porcos, com os buços lotados de gotas de suor, aplaudia.
De longe e meio que impotente, a multidão assistia ao espetáculo de um assalto. A pobre menina de bolsa rosa ficara sem sua sacola de supermercado e ainda havia levado uma vassourada. Não sei se xingava os pivetes ou os inertes, a mim talvez.
E o calor de uns quarenta graus tornava tudo aquilo mais bizarro.
Noutro canto, outro circo se armava. O paraplégico em sua cadeira de rodas pedia o motorista do ônibus para encostar mais perto da calçada. Como isso não foi possível, o que o motorista ouviu? "Seu babaca, mal educado, vá pra m...". E toda a beleza da desgraça humana mais uma vez se escancarava. Dante iria amar isso aqui.
Em meio a toda a balbúrdia, uma distinta senhora pseudo-européia, loura oxigenada e barata, discutia com o distinto rapaz sobre em qual lugar deveria guardar seus papéis picados. Se era na lixeira, como o rapaz pedia, ou no meio da rua, como a ignóbil criatura já o fazia. Há uma população de vermes soltos.
E de repente, ao abrir o armário, seu doutor vê que uma cópia de um importante documento havia sido usada como rascunho para lista de supermercado. Ele só não xingou a digníssima mãe do autor da façanha e não lhe deu um soco nas fuças, pois não sabia quem era. Acho que ainda o procura com uma foice nas mãos.
O velho tablóide tupiniquim de quinta, comprado por todos a vinte e cinco centavos, noticia violência, esporte e mulher pelada. Além do mais, oferece a quem comprar um exemplar, um carrinho de brinquedo. E tem um monte de gente gastando dois reais numa pilha de jornal barato.
O mauricinho na porta do boteco copo-imundo abre o capô de seu carro e um som horrendo sai da caixa, um tal funk com cinco velocidades. Do lado, um monte de garotas fina-flor, com pizzas axilares e grandes cintos, mostra sua coreografia erótica levanta defunto pra um bando de bode velho babão. Tragicomédia cotidiana.
Está difícil viver, é só sair de casa e todo o caos me esmaga. As boas cenas de um dia são raras e ainda assim pouco memoráveis. Fico feliz por voltar à minha casa, meu mundinho perfeito paralelo. Nele ninguém xinga, nele há um cão imaginário que me faz companhia. Nele só ouço palavras doces.
Mas pode deixar, na próxima, mesmo neste calor, falarei de dias melhores. O trânsito irá desaparecer, a mocinha de bolsa rosa terá outra sacola de supermercado, a loura será mais educada e a música será melhor. Eu ainda cumprirei esta promessa. Sente, mude de posição periodicamente, previna a dor nos ísquios. A espera pode ser longa.

4 comentários:

  1. Tem dias que acho que eu não deveria ter acordado. Talvez esse também tenha sido assim pra você.

    Amigo, nessas horas pça licença do mundo. Pelo menos, por cinco segundos. A gente não merece todo esse barulho.

    Fica bem.

    Bom fim de semana,
    Daniel

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  2. Juca,

    Hoje caí. De madura? Com pé dormente? Para acordar? Para perceber que posso andar? O importante é que gente cai mas depois levanta e vai em frente...?!

    Pode ser algo mais... estou refletindo...

    Mas a vida é assim mesmo, esse caos! Esse cotidiano louco...

    Um dia a gente aprende que a paz tão procurada estava dentro da gente, se a gente semear direitinho viveremos em plena calma... Temos que procurar sempre de dentro para fora!

    Eu vou cair até aprender essa lição...

    Beijos e um fim de semana mais tranquilinho para nós todos!
    Carol

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  3. de vez em quando eu me deparo com o excesso de bizarrices em um dia só..

    Algumas vezes por dia a gente até acaba se acostumando... mas doses cavalares como essa, meu Deus, eu não desejo a ngm...

    Vou pra casa ler e apreciar o bom FCLG...

    Abraço, meu caro.

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  4. meus isquios tem doido tanto...esperando atitudes até minhas que não saem nem do ventre que cresce na minha cabeça...

    te desjo sorte, a melhor de todas pra encarar a vida como ela de fato é...

    a coisas belas lá fora, descubro isso sempre, e graças a deus quando menos espero...descubro sorrisos e abraços, flores caindo da árvore e folhas fazendo redemoinho...

    saudades...

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